Blog criado com o intuito de reunir crônicas sobre jogadores, partidas e outras histórias que marcaram época no Esporte Clube Vitória.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Ney Ferreira... bicampeão baiano com boicote midiático



 Não é novidade nenhuma pro torcedor do Vitória a aversão que a imprensa esportiva da Bahia tem pelo clube. Perseguido, injustiçado e degredado das folhas de jornal desde muito antes, o rubro-negro há muito não tem uma vida fácil com a mídia. Se em pleno 2018 o torcedor ainda se faz 'Fechado com o ECV' por observar os desvios da comunicação esportiva nos meios baianos, nos anos 60 a situação não era bastante diferente. Aconteceu que nesta década um presidente do clube levou as ofensivas jornalísticas para as vias de fato, e claro, o Vitória não foi perdoado.

 Francisco Ney Ferreira nasceu em Salvador no dia 23 de julho de 1929, sendo filho do casal Luis Ferreira e Maria Patrocínio de Andrade. Ele formou-se bacharel em direito em 1957 pela UFBA. No tempo quem governava era Antônio Balbino (seu sogro) ele se tornou presidente do Vitória, mais precisamente em 1958. Sendo assim, foi durante a sua gestão que o Leão conheceu alguns lugares mais distante da capital baiana. Em 1960, o Vitória fez seu primeiro jogo no Maracanã (uma derrota em 5 a 1 para o Flamengo) e também naquele ano fez uma excursão para a Europa . Em 1961 chegou a conquistar o Torneio Início do Campeonato Baiano, mas foi entre os anos de 1964 e 1965 que fez o Vitória campeão mesmo num momento de contrariedade.

Ney Ferreira e seu pai Luis Ferreira, então diretor da sede do Vitória, em 1961.

 Ney Ferreira antes de tudo era um homem ligado a vida política. Em 1962 filiou-se ao PDC (Partido Democrata Cristão) e após o golpe militar de 1964 migrou para o MDB, onde se elegeria deputado federal dois anos depois. Ainda em 1964 porém, o Baianão teve partida em abril e teve seu primeiro turno encerrado em 23 de agosto com o Vitória campeão num empate em 1 a 1 com o Bahia. Dali até novembro o Leão da Barra disputou mais quatro jogos, sem perder nenhum. No quinto perdeu pro Galícia por 2 a 0. Foi por esta época que surgiu na imprensa radiofônica que o Vitória estaria com um jogador irregular. A acusação do jornalista Cléo Meirelles mais tarde provou-se falsa, mas ele pagou caro pela desmoralização investida ao rubro-negro e ao presidente.. Aconteceu que três capangas de Ney (Maduca, Deusdet e o motorista Messias) agrediram o jornalista num ônibus.

 A agressão não ficou por menos. Logo foi atribuída a Ney Ferreira e Henrique Cardoso (conhecido como Henriquinho), ambos deputados e que estavam a frente da gestão do clube. O primeiro como presidente e o segundo como diretor de esportes. No fim das contas, as emissoras e os periódicos impressos do grupo Diários Associados (no qual trabalhava Cléo) saíram em defesa do jornalista. Passado o ano, o caso estava sendo investigado pela polícia, e logo no 5 de janeiro de 1965 o Diário de Notícias colocou em sua manchete: "Ney Ferreira e seus bandidos invadem Associados para matar diretores". A primeira página do jornal detalhava a suposta invasão em que o 'bando' de Ney Ferreira teria invadido a sede do jornal para pegar o diretor Paulo Nacife. Assim a reportagem ligava o acontecido ao fato ocorrido com Cléo no ano anterior.

 Nos dias que se seguiram a publicação continuou sendo veiculada no jornal em tom de cobrança aos órgãos de autoridade. Foi então determinada uma intervenção no Vitória, mas como a sede do clube encontrava-se fechada, o interventor sequer conseguiu tomar posse. Assim o presidente do CND (Conselho Nacional de Desportos) veio para a Bahia e no dia 13 de fevereiro acabou suspendendo as atividades futebolísticas no estado até que fosse solucionado o caso do Decano. Até mesmo o general Castelo Branco (presidente do Brasil na época) pediu para o governador Lomanto Júnior tomar parte do assunto. Foi daí que o grupo do Diários Associados junto com toda a imprensa esportiva local, tanto no rádio, como nos impressos instituíram um boicote ao Vitória. Em meio a isso, somente um jornal noticiava a vida do clube vermelho e preto. O Esporte Jornal, de Luiz Tarquínio e Fernando Protázio.

Manchete do Diário de Notícias (RS) em 7 de janeiro de 1965.

 No recomeço do campeonato estadual, a presidência de Ney estava ameaçada, pois a FBF indicou um novo interventor para o Vitória, João Alfredo Quadros. Mesmo assim, o campeonato foi sendo levado até o mês de maio. Nas finais, um fato novo. A imprensa não noticiava mais o Ba-Vi. Sem o mesmo prestígio dos velhos tempos, o clássico na final teve o Bahia vencendo o primeiro jogo pelo placar de 2 a 1 e o Vitória devolvendo o mesmo placar no jogo da volta. Na decisiva, outro 2 a 1 rubro-negro sobre o arquirrival e festa pros torcedores diante do baque midiático, que sequer noticiou o título. Era a vitória pessoal de Ney Ferreira, que em 27 de maio de 1965 levantou a taça do campeonato de 1964 junto aos jogadores, vestindo a flâmula de campeão graças aos dois gols marcados por Itamar.

Os atletas Nelinho e Ouri erguem as taças e mais adiante o presidente Ney Ferreira ergue outro troféu após o título de 1964, disputado em maio 1965.

 A imprensa passou a ir mais fundo. Noticiava com avidez os jogos de times do Sudeste, enquanto esqueciam-se por completo de outras equipes baianas, assim não promovendo amistosos de times locais. Não poderia ser diferente com a primeira participação do Vitória num campeonato nacional. Em agosto de 1965 o Decano jogou pela primeira vez na Taça Brasil, mas os jornais enfiavam outros assuntos na goela do público. Já em 1966, ano de Copa do Mundo, o campeonato baiano seguia sendo disputado no solo da Boa Terra, mas devido ao boicote da imprensa, o futebol teve sua recaída nos outros clubes também. É em meio a este boicote no mês de março que o rubro-negro vence o Galícia em duas partidas consecutivas e conquista o segundo turno.

 Já em abril, os jornais locais preocupavam-se somente em noticiar a Seleção Brasileira na Copa que estava por vir. Ignorando assim as finais do Baianão, onde o Vitória chegou novamente, desta vez diante do Botafogo-BA. Essa foi a última final disputada pelo Diabo Rubro. Que diante de dois empates em 0 a 0 e uma derrota em 1 a 0 com gol do zagueiro Tinho, viu o Vitória sagrar-se bicampeão baiano. Era o segundo título de Ney Ferreira, que mais uma vez classificou o Leão pro certame nacional e a ele mesmo para o cargo de deputado federal naquele ano.

 Ainda no segundo semestre, o Vitória foi campeão do primeiro turno do estadual. O boicote terminaria somente em 24 de novembro daquele ano, quando a imprensa noticiou que o rubro-negro jogaria contra o Leônico. Assim, dando fim a 21 meses e onze dias fora das páginas do Diário de Notícias.

 Ney Ferreira, presidente bicampeão, que estendeu-se como deputado até os anos 80, veio a falecer em Salvador em 22 de dezembro de 2011.


PS: Matéria feita com base em depoimentos e de relatos do blog Memórias da Fonte Nova.

Nenhum comentário:

Postar um comentário